Para refletir sobre o assunto separei, no texto A Inserção do Laptop na Escola Rural: perspectivas de inclusão e emancipação digital, de Cristina Maria Pescador, Carla Valentini e Léa Fagundes, o segundo capítulo. Vamos ler o trecho e comentar:
INCLUSÃO DIGITAL, EMANCIPAÇÃO E CIDADANIA NA ESCOLA RURAL
[...]
Políticas públicas de educação ao
longo da história são apontadas por Henriques et al como responsáveis pela
falta de equidade educacional entre campo e cidade em nosso país. Para esses autores,
as populações que vivem no campo encontram-se em clara desvantagem com relação
aos indicadores educacionais em comparação com os mesmos indicadores para as
populações que vivem nas cidades.
Acrescente-se a isso a
dificuldade de acesso à internet e às tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDICs) devido a características geográficas das regiões.
Dificuldades técnicas desse tipo terminam por excluir uma parcela da população
do contexto digital em uma sociedade cujas formas de agir, interagir e pensar
têm sido influenciada pela cultura digital.
Entretanto, proporcionar acesso
às TDICs não caracteriza por si só a inclusão digital. Para Coscarelli,
inclusão digital refere-se ao:
processo em que uma pessoa ou
grupo de pessoas passa a partilhar dos métodos de processamento, transferência e
armazenamento de informações que são do uso costume de outro grupo, passando a
ter os mesmos direitos e os mesmos deveres dos já participantes daquele grupo
onde está se incluindo.
Assim, embora seja possível
observar a difusão da inserção de Tecnologias Digitais (TDs) no contexto
escolar, é necessário contemplar também a formação e a capacitação
participativa de professores, educadores e gestores, contribuindo para o desenvolvimento
efetivo da autonomia cidadã. A esse respeito, Valentini et al nos dizem que seu uso possibilita “práticas inovadoras que favorecem o
desenvolvimento de cooperação, autonomia, criticismo e construção de significado.”
Nesse contexto, ler e escrever
ultrapassam o texto publicado no papel ou em outro suporte. Trata-se de poder
“ler o mundo”, considerando-se uma leitura se refere ao mundo físico e
social em que estabelecemos nossas relações e com o qual interagimos. E essa
leitura pode levar à emancipação digital. Esse termo é mais abrangente que
inclusão e letramento digital. A emancipação digital empodera o indivíduo
possibilitando que ele se aproprie das TDs fluentemente. Dessa forma, ele
poderá “exercer a autonomia social e a autoria criativa, num espaço dialógico, cooperativo,
perpassado pelo respeito mútuo e pela solidariedade interna”.
Isso parece estar em consonância
com um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) [1] que é
capacitar os estudantes do ensino fundamental para a utilização de diferentes fontes
de informação e recursos tecnológicos em seu processo de aquisição e construção
de conhecimentos. Os PCNs destacam também a importância de capacitar os
estudantes
[...] para a aquisição e o
desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem
e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas
tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos. Essas
novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e
inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”.
Nesse contexto, a inserção de
laptops na modalidade 1:1 pode propiciar práticas inovadoras de aprendizagem e
promover o desenvolvimento da autonomia do estudante. Para Piaget, a autonomia
se fundamenta no respeito mútuo, num processo de descentração e reciprocidade
nas relações. O desenvolvimento da autonomia necessita do pensamento operatório
e reversível, implica na capacidade da criança ou jovem conseguir sair de seu ponto
de vista e se colocar no ponto de vista do outro. Já a reciprocidade é determinada
pela coordenação mútua de diferentes pontos de vista e possibilita à criança
criar uma nova compreensão da realidade, normalmente diferente e superior à existente.
A partir desse entendimento podemos compreender como a autonomia está
relacionada à capacidade de o indivíduo estabelecer relações cooperativas.
Autonomia implica em considerar o ponto de vista do outro, o que exige
responsabilidade nas ações e decisões. A partir desse entendimento, só seria possível
pensar-se em uma nova educação e relação social se colocarmos em prática a
cooperação e a reciprocidade e não apenas quando se fala de fora sobre essa
realidade.
Segundo Piaget “necessitamos é de um espírito de cooperação tal que cada um compreenda todos
os outros, e de uma ‘solidariedade interna’ que não elimine os pontos de vista particulares,
mas coloque-os em reciprocidade e realize a unidade na diversidade”. Fica claro
que a autonomia requer uma contínua relação de cooperação e que implica na
responsabilidade do sujeito em suas ações e relações.
A obra de Freire também nos
conduz aos ideais de cooperação, solidariedade e respeito. Freire propõe o
exercício de uma pedagogia fundamentada na ética, no respeito e na autonomia do
educando. O respeito à autonomia se faz a partir da consciência do inacabamento
em Freire e se opera a partir do diálogo, ou seja, “[...] a dialogicidade
verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença,
sobretudo no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por
seres que, inacabados, assumindo-se como tais, tornam-se radicalmente éticos”.
A preocupação com a autonomia
também é foco de estudos de Kamii, para quem
as crianças se tornam capazes de
tomar decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa.
Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir
qual deve ser o melhor caminho da ação.
PESCADOR, Cristina M.; VALENTINI, Carla B.; DA CRUZ FAGUNDES, Léa. A Inserção do Laptop na Escola Rural: perspectivas de inclusão e emancipação digital.