segunda-feira, 29 de junho de 2015

Letramento Digital

Para refletir sobre o assunto separei, no texto A Inserção do Laptop na Escola Rural: perspectivas de inclusão e emancipação digital, de Cristina Maria Pescador, Carla Valentini e Léa Fagundes, o segundo capítulo. Vamos ler o trecho e comentar:

INCLUSÃO DIGITAL, EMANCIPAÇÃO E CIDADANIA NA ESCOLA RURAL

[...]

Políticas públicas de educação ao longo da história são apontadas por Henriques et al como responsáveis pela falta de equidade educacional entre campo e cidade em nosso país. Para esses autores, as populações que vivem no campo encontram-se em clara desvantagem com relação aos indicadores educacionais em comparação com os mesmos indicadores para as populações que vivem nas cidades.

Acrescente-se a isso a dificuldade de acesso à internet e às tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) devido a características geográficas das regiões. Dificuldades técnicas desse tipo terminam por excluir uma parcela da população do contexto digital em uma sociedade cujas formas de agir, interagir e pensar têm sido influenciada pela cultura digital.

Entretanto, proporcionar acesso às TDICs não caracteriza por si só a inclusão digital. Para Coscarelli, inclusão digital refere-se ao:

processo em que uma pessoa ou grupo de pessoas passa a partilhar dos métodos de processamento, transferência e armazenamento de informações que são do uso costume de outro grupo, passando a ter os mesmos direitos e os mesmos deveres dos já participantes daquele grupo onde está se incluindo.

Assim, embora seja possível observar a difusão da inserção de Tecnologias Digitais (TDs) no contexto escolar, é necessário contemplar também a formação e a capacitação participativa de professores, educadores e gestores, contribuindo para o desenvolvimento efetivo da autonomia cidadã. A esse respeito, Valentini et al nos dizem que seu uso possibilita “práticas inovadoras que favorecem o desenvolvimento de cooperação, autonomia, criticismo e construção de significado.”

Nesse contexto, ler e escrever ultrapassam o texto publicado no papel ou em outro suporte. Trata-se de poder “ler o mundo”, considerando-se uma leitura se refere ao mundo físico e social em que estabelecemos nossas relações e com o qual interagimos. E essa leitura pode levar à emancipação digital. Esse termo é mais abrangente que inclusão e letramento digital. A emancipação digital empodera o indivíduo possibilitando que ele se aproprie das TDs fluentemente. Dessa forma, ele poderá “exercer a autonomia social e a autoria criativa, num espaço dialógico, cooperativo, perpassado pelo respeito mútuo e pela solidariedade interna”.

Isso parece estar em consonância com um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) [1] que é capacitar os estudantes do ensino fundamental para a utilização de diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos em seu processo de aquisição e construção de conhecimentos. Os PCNs destacam também a importância de capacitar os estudantes

[...] para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”.

Nesse contexto, a inserção de laptops na modalidade 1:1 pode propiciar práticas inovadoras de aprendizagem e promover o desenvolvimento da autonomia do estudante. Para Piaget, a autonomia se fundamenta no respeito mútuo, num processo de descentração e reciprocidade nas relações. O desenvolvimento da autonomia necessita do pensamento operatório e reversível, implica na capacidade da criança ou jovem conseguir sair de seu ponto de vista e se colocar no ponto de vista do outro. Já a reciprocidade é determinada pela coordenação mútua de diferentes pontos de vista e possibilita à criança criar uma nova compreensão da realidade, normalmente diferente e superior à existente. A partir desse entendimento podemos compreender como a autonomia está relacionada à capacidade de o indivíduo estabelecer relações cooperativas. Autonomia implica em considerar o ponto de vista do outro, o que exige responsabilidade nas ações e decisões. A partir desse entendimento, só seria possível pensar-se em uma nova educação e relação social se colocarmos em prática a cooperação e a reciprocidade e não apenas quando se fala de fora sobre essa realidade.

Segundo Piaget “necessitamos é de um espírito de cooperação tal que cada um compreenda todos os outros, e de uma ‘solidariedade interna’ que não elimine os pontos de vista particulares, mas coloque-os em reciprocidade e realize a unidade na diversidade”. Fica claro que a autonomia requer uma contínua relação de cooperação e que implica na responsabilidade do sujeito em suas ações e relações.

A obra de Freire também nos conduz aos ideais de cooperação, solidariedade e respeito. Freire propõe o exercício de uma pedagogia fundamentada na ética, no respeito e na autonomia do educando. O respeito à autonomia se faz a partir da consciência do inacabamento em Freire e se opera a partir do diálogo, ou seja, “[...] a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, tornam-se radicalmente éticos”.

A preocupação com a autonomia também é foco de estudos de Kamii, para quem


as crianças se tornam capazes de tomar decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação.


PESCADOR, Cristina M.; VALENTINI, Carla B.; DA CRUZ FAGUNDES, Léa. A Inserção do Laptop na Escola Rural: perspectivas de inclusão e emancipação digital.

Nenhum comentário:

Postar um comentário